Como conciliar ser mulher, mãe e artista? Como não esquecer de si mesma no processo de cuidado com outro? De suas próprias angústias, desejos e necessidades. Pensar na mulher, que permanece nessa condição, ainda que se torne mãe, é uma discussão necessária, atual e que a artista peruana Yanaki Herrera nos apresenta em sua exposição Warmiwasi: lutas coletivas e subjetivas.
Yanaki é uma mulher imigrante, que, enquanto mãe, se transforma em lar, em corpo-casa e a partir disso nos expõe uma série de obras acolhedoras e sensíveis, porém firmes e questionadoras. Refletir sobre os temas trazidos por ela é confirmar nossa origem singular de aldeia e acreditar no futuro que sempre se volta ao ancestral.
A artista nos traz sua origem Quéchua e peruana, o embate diário pelo outro, pelas vidas, pelo filho, pelo presente. Enaltece a importância da cultura e dos encantados do nosso povo amefricano e indígena que resistiu às invasões, às migrações e as tentativas de destruição.
Warmiwasi: lutas coletivas e subjetivas é a segunda exposição do Ciclo de Mostras 2023, cujas exposições foram selecionadas por uma comissão independente no final de 2022, e nos possibilita transitar sobre a multiplicidade de poéticas, inquietações e possibilidades que os artistas residentes em Minas Gerais podem nos proporcionar.
VEJA TODOS OS REGISTROS
Mulher, mãe, artista. Entre a nacionalidade peruana e a origem Quéchua, Yanaki Herrera elabora sua poética em artes visuais, materializada na prosa entre as linguagens. Por suas obras, fala línguas orais, visuais e espirituais, a fim de desconstruir ideias compreendidas no mundo ocidental e branco como universais.
Para tanto, a artista transita entre mundos sendo uma mulher advinda de uma cultura originária do território de Abya Yala, que vive e cria no contexto urbano e aculturado que subtrai e nivela subjetividades e identidades. Entre essas circulações, ela desenvolve sua poética visual fortalecida pelas epistemologias inerentes à sua origem e as materializa visualmente a partir de técnicas e tecnologias contemporâneas.
Desse modo, por entre desenhos, pinturas, lambes, performances, sonoridades, objetos que corporificam a exposição, nos deparamos com produções que apresentam um intenso diálogo sobre a tradição na contemporaneidade e modos de ressignificá-la, seja por parte de um povo inteiro, ou por meio do desvelamento da intimidade da artista.
Em Wawa Wasi, que significa “casa de criança”, o conjunto de retábulos redefinem a função desse objeto que transmuta-se de signo de santidade cristã em expressão de uma identidade redefinida pela realidade do povo Quéchua. Yanaki revisita essa tradição, atribuindo-lhe novas camadas de sentidos que se referem à ciclicidade do parir.
A artista tensiona as compreensões sobre maternidade e a sacralização dessa ação ao performar acepções da Virgem Maria pelas ruas de Belo Horizonte, subvertendo-a à condição mundana e conduzindo-a a uma maternagem descanonizada. Percorrer suas obras é confrontar-se com o exercício constante em dissecar alguns dos clichês que envolvem a mulher-mãe, como em Madres que luchan, cujas pinturas são convertidas em lambes e aludem à luta das mulheres zapatistas do território mexicano, distanciando-as da ideia de domesticidade.
A pesquisa de Yanaki Herrera possui dimensões que nos conectam às estéticas e conceitos da coletividade, porém também nos autoriza a submergir em sua intimidade sem encerrar-se para o/a outro/a. Suas visualidades narram referências e vivências e projetam sensibilidades e sentidos apreendidos na sua vida, contudo, como abundância de existir em vez de escassez. Poeticamente acolhe os ciclos próprios dos corpos que se vinculam à natureza pelas fases de aguar, de secar, de criar. Nessas geografias dos corpos e das terras, ela conjuga a reverência às (re)existências originárias e ancestrais, superviventes na geopolítica dos apagamentos do que é sabedoria, legado e alento. De mãos dadas com o futuro – Amaru, a sua criança –, Yanaki se mune de criticidade imaginativa para parir um universo.
Renata Felinto
maio de 2023
Série Wawawasi
2022
Amaru crionça
2021
Desejos e saudades para além da maternagem
2021-2022
Sem título
2022
Yanaki Herrera é graduanda em Artes Visuais pela UFMG. Nascida em Cusco – Peru, atualmente vive em Belo Horizonte. Sua pesquisa artística é voltada à maternagem e as suas lutas. Através da pintura, cria narrativas que conversam entre a ancestralidade e o presente como um lugar de transformação. Compõem a sua imagética elementos que nascem a partir das expressões corporais e culturais na América Latina.
Em sua trajetória profissional, foi premiada no Memorial Minas Vale 2021 e participou de exposições coletivas como: Abre Alas 18 em A gentil Carioca (São Paulo); Abre Alas 18 em A gentil Carioca (Rio de Janeiro); MAA na Mitre Galeria (BH); Deriva XXII no Centro de Referência da Juventude (BH). Foi residente do LAB.Suav #01 2023 em Chão SLZ (São Luís – Maranhão); Residência Artística 2022 do ia – Instituto de Arte Contemporâneo ( Ouro Preto); LAB Cultural 2021 BDMG Cultural (BH); e Festival de Arte Urbana TAU (BH).